12 outubro, 2012


De dentro prá fora


Outro dia recebi uma dessas mensagens que circulam pela Internet dizendo “ A boca fala do que o coração está cheio” ilustrada com muitos coraçõezinhos saindo de uma boca. Evidente que a mensagem queria dizer que do coração só sai sentimento bom.
Aí me peguei pensando que, na verdade, só sai o que está dentro, seja do coração, cérebro ou outro órgão qualquer. E nem sempre é coisa boa. Mas vou me ater à ideia inicial, cuja conotação se refere aos sentimentos. Lembrei-me de uma amiga que se manteve, durante anos, num casamento com um marido alcoólatra (ou alcoólico, como preferem atualmente). No ápice das crises, era surrada verbalmente, ouvia queixas, acusações, cobranças e, como parte do jogo, replicava, se defendia, atacava. Ao final da crise, passado o efeito do álcool, ambos faziam o “mea-culpa”, alegando que não estavam em seus estados normais. Não estavam e nem poderiam, mas tudo que saiu de suas bocas estava dentro, em algum lugar, armazenado, estocado. Dados salvados para uso quando fossem necessários. Por isso não acredito nessas desculpas esfarrapadas:
" eu bebi...eu perdi a noção...foi sem querer, etc.."
Sei de muitos casos assim. Entre pessoas que compartilham um relacionamento, seja amoroso, profissional, de amizade, familiar. As discordâncias levam as pessoas a guardarem para uso futuro, as frustrações, as broncas caladas, os sapos engolidos.
E assim é para evitar confrontos com as pessoas que amamos. Deixar passar é se iludir. É achar que o esquecimento apaga o sentimento. Nem uma coisa nem outra. Pessoas feridas não esquecem e sentimento não se desmancha no ar.
O que entra estragado é munição que só vai servir para contra-atacar naquela hora imprópria, quando o álcool libera o superego ou o pote-está-até-aqui-de-mágoa.
A minha amiga e seu companheiro buscaram ajuda profissional e hoje vivem um dia após o outro tentando sincronizar os passos. As ofensas verbais foram substituídas por conversas francas, escancaradas, quando cada um fala do que não está bem. Não existe um céu de brigadeiro mas, pelo menos, a lixeira é esvaziada assim que o lixo é depositado. É difícil, porém necessário. Mesmo porque amar não significa gostar de tudo, aprovar tudo que o outro nos dá. Assim como é possível gostar sem amar, também é possível amar sem gostar. Que fique claro, amamos a pessoa mas não gostamos de algumas de suas atitudes. E isso tem de ser falado. Ninguém, seja lá quem for, tem a obrigação de nos adivinhar. Talvez isso explique o porquê  nossa fúria, descontentamento e raivas, recaiam sempre sobre os nossos queridos.
Quando nossas diferenças batem de frente com quem não nos interessa, botamos a boca no mundo e extravasamos, deixamos sair tudo que está dentro. Não guardamos. Damos de ombros e saímos andando, nos sentindo mais leves e, geralmente, de alma lavada.
Sonia Rocha – Mercuriana

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